Você sabia que as demissões podem passar a ser apenas por justa causa?

A informação inicial é de que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar em 2023 um julgamento que já existe há 25 anos, desde a época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O julgamento é sobre uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OTI), onde a corte por proibir a demissão sem justa causa no Brasil, ou seja, todas as demissões terão que ser justificadas, mas a realidade é que não se trata disso exatamente.

A convenção nº 158 da OIT, objeto de julgamento do Supremo, estabelece a necessidade de justificativa para as demissões feitas por iniciativa do empregador. Ordem econômica (a empresa precisa reduzir o número de funcionários), técnica (a função do empregado deixará de existir por conta de automatização) ou mesmo de desempenho (a empresa julga que a performance do funcionário não está como ela gostaria), essas são algumas das justificas plausíveis que a empresa poderia dar caso essa convenção entre em vigor.

A empresa continuaria podendo demitir unilateralmente, conforme regras estabelecidas pela legislação brasileira, mas precisaria evidenciar o motivo do desligamento, mesmo que ele não fundamente uma “justa causa”.

O QUE É UMA CONVENÇÃO DA OIT?

As convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) são tratados internacionais “legalmente vinculantes” que, uma vez aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho, podem ser ratificadas ou não pelos países membros. As convenções são elaboradas, após muito estudo e análise da realidade do mercado de trabalho no mundo inteiro, por representantes dos governos, dos trabalhadores e dos empresários de todos os países que fazem parte da OIT. Depois que uma convenção é adotada por um país, passa a valer como política de Estado, acima de partidos ou governos.

O QUE É A OIT?

OIT – Organização Internacional do Trabalho é uma Agência da ONU (Organização das Nações Unidas), fundada em 1919. É uma estrutura tripartite, ou seja, reúne representantes dos trabalhadores, dos governos e dos empregadores. Como todas as entidades da ONU, tem por objetivo um mundo mais justo, solidário, pacífico e socialmente mais igual.

QUAL O OBJETIVO DA CONVENÇÃO Nº 158?

Diminuir a alta rotatividade da mão-de-obra no Brasil, combatendo o uso indiscriminado das demissões sem justa causa. Atualmente, 40% dos trabalhadores e trabalhadoras sofrem com essa rotatividade. São milhões de brasileiros demitidos sem justa causa todos os anos, que depois precisam procurar um novo emprego. Em média, um trabalhador demitido leva 12 meses para conseguir nova colocação.

A demissão e a busca por um novo emprego é um grande drama psicológico, que atinge não só o trabalhador mas toda a sua família. É também um grande drama econômico que, multiplicado por mais famílias, cria obstáculos à vida das cidades, dos estados e dos países.

O QUE O STF VAI JULGAR?

O Supremo Tribunal Federal vai julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1625, apresentada em 1997, que questiona a decisão do Presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, de retirar o Brasil do tratado internacional. O acordo foi assinado em 1995, após uma votação do Congresso, No entanto, um ano depois, FHC revogou a participação do país.

A ação argumenta que o Presidente não poderia ter decidido por conta própria a retirada do país. Da mesma forma que a ratificação foi aprovada pelo Legislativo, sua retirada também deveria ser. Esse é o mérito em discussão do STF. Se o decreto assinado pelo presidente na época é ou não, constitucional.

QUAIS SERIAM AS MUDANÇAS?

Segundo a emenda constitucional, de dezembro de 2004, a convenção internacional não precisaria de uma Lei Complementar para ser aplicável. No entanto, por ser muito abrangente, o país fica responsável por adaptá-la à sua realidade, incluindo definir a partir de quando a decisão passaria a valer.

Sobre o tema da convenção em si, entende-se que o Brasil já possui uma legislação que protege os profissionais de demissões arbitrárias sem justa causa, prevendo uma indenização compensatória.

No Brasil, a demissão sem justa causa se fundamenta no artigo 7º da Constituição, no inciso I, que diz que são direitos dos trabalhadores a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória”.

COMO ESTÃO OS VOTOS?

Entre os 8 votos de ministros já computados desde o início do julgamento, em 1997, já há maioria formada em torno do entendimento de que o decreto presidencial é inconstitucional.

Contra o decreto de FHC

Joaquim Barbosa (aposentado) Rosa Weber e Ricardo Lewandowski votaram que o presidente da república não pode, por conta própria, revogar a Convenção 158 da OIT. Para tanto, precisaria consultar o Congresso, o que FHC não fez.

Se a maioria esta linha de raciocínio, a demissão sem justa causa vai acabar, ao menos até que outra regulamentação seja apresentada.

A favor do decreto de FHC

Já Dias Toffoli, Nelson Jobim (aposentado) e Teori Zavascki (falecido) votaram que o decreto de FHC é, sim, válido. Mas que, para decisões futuras, o Congresso deve ser consultado.

Se a maioria esta linha de raciocínio, as regras para a demissão sem justa causa permanecem as mesmas que já seguimos atualmente.

A favor de uma decisão pelo Congresso

Por fim, Maurício Corrêa e Ayres Britto defendem que o Congresso é que deve decidir se o decreto de FHC é ou não constitucional.

Se a maioria esta linha de raciocínio, a decisão não será definida pelos ministros, sendo preciso aguardar o processo no Congresso para descobrir qual será o parecer.

POR QUE O TEMA VOLTOU A SER DISCUTIDO?

O tema voltou à tona devido a uma mudança no regimento interno do STF, em que foi estabelecido um prazo de 90 dias para a devolução de pedidos de vista feitos pelos ministros. A partir deste prazo, o processo fica liberado para que o julgamento seja retomado.

Essa mudança deve ser publicada ainda em janeiro, o que traria o julgamento sobre a convenção 158 da OIT para a pauta ainda no primeiro semestre de 2023. O processo estava paralisado desde outubro do ano passado.

CONCLUSÃO

O assunto deve voltar à pauta no primeiro semestre de 2023 por conta de uma mudança no regimento interno da corte nos últimos dias de 2022, que agora permite a vista do processo apenas por 90 dias. Ainda que o STF decida pela validade da convenção, isso não significa necessariamente que as restrições impostas por ela serão aplicadas no Brasil.

Existe certo debate na Justiça do Trabalho e entre os especialistas da área, sendo que parte deles entende que qualquer restrição para a dispensa sem justa causa somente pode ser imposta por lei complementar.

O que resta agora para todos é aguardar, a decisão está aberta. É muito provável que nada mude quanto a demissão sem justa causa no país, mas vale a pena acompanhar a evolução desse debate para se preparar casso ocorra uma eventual mudança, mesmo não sendo tão provável.